Considerado por muitos, o cineasta maldito, João César Monteiro era e é, pois a sua obra perdura, um dos meus cineastas portugueses favoritos.
“Recordações da casa amarela” e “A comédia de Deus” estão entre as longas-metragens da minha eleição. Ambos os filmes estão imbuídos de um humor e uma ironia de fino e subtil recorte.
A sua imagem de marca era o cigarro eternamente esquecido entre os dedos esfíngicos.
Por vezes, o cigarro auto consumia-se em cinza, cujo morrão desafiava as leis da física e permanecia até ao derradeiro encontro com o filtro, com a forma texturada do que fora antes um cigarro.
Quando o recordo, é essa a imagem que emerge: olhos esbugalhados, com um discurso aparentemente sereno e comedido, mesmo quando ofendia deliberadamente os jornalistas que o entrevistavam.
Recordo uma entrevista para a televisão. Quando questionado para a forte componente erótica do filme, “ A comédia de Deus” entre outras coisas disse:
-Ó minha senhora: nesta vida tudo é comestível! A senhora não sabe isso?
Enquanto falava, o tal cigarro permanecia intacto entre os dedos da mão estática, embora reduzido a cinza.
Não vi um dos seus derradeiros filmes, “ Branca de Neve”, mas parece que também ninguém viu.
“João César Monteiro Santos (Figueira da Foz, 2 de Fevereiro de 1939 — Lisboa, 3 de Fevereiro de 2003) foi um cineasta português. Integrou o grupo de jovens realizadores que se lançaram no movimento do Novo Cinema. Irreverente e imprevisível, fez-se notar como crítico mordaz de cinema nos anos sessenta.
Prossegue a tradição iniciada por Manoel de Oliveira (Acto da Primavera) ao introduzir no cinema português de ficção o conceito de antropologia visual — Veredas e Silvestre (filme) —, tradição amplamente explorada no documentário por outros cineastas portugueses como António Campos, António Reis, Ricardo Costa, Noémia Delgado ou, mais tarde e noutro registo, Pedro Costa.
Segue um percurso original que lhe facilita o reconhecimento internacional. Várias das suas obras são representadas e premiadas em festivais internacionais como o Festival de Cannes e o Festival de Veneza (Leão de Prata: Recordações da Casa Amarela).”
Biografia:
(…)“Pertence a uma família da burguesia rural, anticlerical e anti-salazarista. Aos quinze anos, para prosseguir os estudos liceais, transfere-se com a família para Lisboa, a "capital do Império", tendo estudado no Colégio Moderno, de onde seria expulso.
É dos poucos cineastas associados ao movimento do novo cinema que não prossegue estudos universitários. A propósito, o seu alter-ego, no filme Fragmentos de um Filme Esmola (1973), explica-se assim: «A escola é a retrete cultural do opressor».
Começa a trabalhar como assistente de realização de Perdigão Queiroga. Em 1963, graças a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, vai para a Grã-Bretanha estudar na London School of Film Technique. De volta a Portugal, em 1965, inicia a rodagem do que viria a ser a sua primeira obra: Quem espera por sapatos de defunto morre descalço. O filme só será concluído cinco anos depois, como média-metragem.
A sua obra, polémica e dificilmente classificável, caracteriza-se pelo lirismo, em forma de filmes-poema. A sua veia satírica como realizador tem sido objecto de estudo para portugueses e estrangeiros, críticos e académicos. João César Monteiro, que tem sérios detractores, é conhecido como um dos mais importantes realizadores portugueses.”
Morreu de cancro em 2003.
Longas metragens:
Fragmentos de um Filme Esmola (A Sagrada Família - 1972)
Que Farei Eu com Esta Espada? (1975)
Veredas (1978)
Silvestre (1982)
À Flor do Mar (1986)
Recordações da Casa Amarela (1989)
O Último Mergulho (1992)
A Comédia de Deus (1995)
Le Bassin de John Wayne (1997)
As Bodas de Deus (1999)
Branca de Neve (2000)
Vai e Vem (2003)
Foi também produtor e realizador de muitas curtas- metragens.
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